No resumo regulatório desta semana destacamos aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 11.247/18 que estabelece um marco legal para exploração de usinas eólicas em alto mar (offshore) no Brasil. Em votação realizada no dia 29 de novembro 2023, 403 deputados votaram a favor e 16 foram contrários.
Apesar da ampla aprovação, a redação final gerou polêmica no setor elétrico à medida que foram incluídos dispositivos que incentivam a produção de energia termelétrica a carvão e a gás natural. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) disse que essas mudanças não têm compromisso de sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Além disso, também foram ampliados incentivos para as fontes renováveis que, na visão das associações que defendem os consumidores, vão encarecer a tarifa de energia em benefício de uma indústria verde que já se mostra competitiva e, portanto, não precisaria de mais subsídios.
O projeto de lei retorna à apreciação do Senado Federal antes de ir à sanção do presidente.
O que é um parque eólico offshore?
Um parque eólico offshore é um megaempreendimento com a infraestrutura instalada no leito marinho. Objetivo é utilizar a força do vento para produzir energia elétrica renovável em larga escala. Devido as características do vento em alto mar, essas usinas podem produzir duas vezes mais energia quando comparado com um projeto em terra (onshore). As eólicas offshore já são exploradas em países como China, Reino Unido, Alemanha, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Vietnã, Coreia do Sul, entre outros. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), há mais de 50 gigawatt (GW) em usinas desse tipo em operação no mundo. O potencial da costa marítima brasileira é de 700 GW em locais com profundidade de até 50 metros. Cerca de 60 projetos (160 GW) já estão em análise no IBAMA.
Veja no infográfico como funciona uma usina eólica offshore
Sobre o marco legal
A exploração de energia eólica offshore no Brasil dependerá de autorização ou concessão e será proibida em determinados setores:
- Blocos licitados no regime de concessão, cessão onerosa ou de partilha de produção de petróleo;
- Rotas de navegação marítima, fluvial, lacustre ou aérea;
- Áreas protegidas pela legislação ambiental;
- Áreas tombadas como paisagem cultural e natural nos sítios turísticos do País;
- Áreas reservadas para a realização de exercícios pelas Forças Armadas;
- Áreas designadas como termo de autorização de uso sustentável no mar territorial.
Nos blocos de exploração de petróleo, a petroleira operadora terá preferência na concessão, sujeita à avaliação prévia de compatibilidade com outras atividades, como energia elétrica. Setores outorgados para energia elétrica offshore podem ser cedidos para atividades compatíveis, como a exploração submarina de minérios. O direito de comercializar créditos de carbono pode ser incluído na outorga, conforme regulamentação. As outorgas serão concedidas mediante autorização com chamamento público ou através de licitação. A área marítima em questão abrange o mar territorial (até 22 km da costa), a plataforma continental (com média de 70 a 80 km) e a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que se estende até 370 km da costa. Além disso, estão incluídos outros corpos hídricos sob domínio da União, como rios e lagos que banham mais de um estado ou fazem fronteira com outro país. Quanto ao licenciamento ambiental, o documento estipula que este deve considerar os resultados do Planejamento Espacial Marinho (PEM), elaborado sob a coordenação da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, vinculada ao Comando da Marinha. A comissão conta com a participação de representantes de 17 diferentes pastas. Serão obrigações do outorgado:
- Realizar projeto de monitoramento ambiental do empreendimento em todas as suas fases;
- Garantir o descomissionamento das instalações;
- Comunicar à ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) ou à ANM (Agência Nacional de Mineração) a descoberta de indício, sudação ou ocorrência de qualquer jazida de petróleo ou gás natural e de outros minerais de interesse comercial ou estratégico;
- Comunicar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a descoberta de bem considerado patrimônio histórico, artístico ou cultural, material ou imaterial
Os agentes deverão pagar um bônus de outorga; participação proporcional mensal e equivalente ao valor da energia produzida; e taxa de ocupação de área, calculada em reais por quilômetros quadrados, de quitação anual. Os recursos captados serão rateados da seguinte forma:
- 50% para a União;
- 12,5% para os estados onde se situam as áreas em que haverá conexão com o SIN (Sistema Interligado Nacional);
- 12,5% para os municípios;
- 10% para estados e Distrito Federal na proporção do Fundo de Participação dos Estados (FPE);
- 10% para os municípios na proporção do Fundo de Participação dos Municípios (FPM);
- 5% para projetos de desenvolvimento sustentável e econômico habilitados pelo Poder Executivo federal e direcionados, de forma “justa e equitativa” às comunidades impactadas nos municípios confrontantes, conforme regulamento.
A taxa recebida pela União deverá ser destinada prioritariamente a ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação associadas a energia e indústria. Os atos de outorga para exploração de energia elétrica offshore devem incluir cláusulas sobre o descomissionamento das instalações, garantindo procedimentos para restaurar o local ao seu estado original após o ciclo de vida do empreendimento. O abandono ou reconhecimento da caducidade não isenta o empreendedor de cumprir os atos de descomissionamento e pagar as obrigações financeiras. A remoção das estruturas deve considerar o impacto ambiental na formação e manutenção de recifes artificiais, conforme regulamento.
Conheça quais foram os jabutis do PL das eólicas offshore
Jabuti é um termo do mundo político para descrever temas que fogem da ideia original de um projeto de lei. Normalmente são introduzidos com a intenção de que passem despercebidos. No artigo 21 do PL 11.257 foi introduzido um dispositivo para aumentar de 4 para 7 anos o prazo para entrada em operação de projetos de energia eólicas onshore e solares fotovoltaicos. O texto altera a Lei 14.120/2021 que pôs fim ao desconto de 50% na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão. Segundo a Lei 14.120, projetos que conseguissem outorga até março de 2022 manteriam o desconto no fio até o fim do prazo da outorga (geralmente de 35 anos). No entanto, o benefício seria cancelado se o projeto não concluísse o processo de entrada em operação no intervalo de 48 meses a partir do ato da outorga. O que a lei das eólicas offshore faz é estender esse prazo por mais 36 meses. As usinas eólicas e solares serão as principais beneficiadas, pois o desconto no fio confere mais competitividade para a energia comercializada por esses projetos. A parte ruim da história é que com isso são gerados mais encargos para o consumidor de energia pagar. Por esse motivo, a proposta foi bastante criticada por associações que representam os consumidores. Ainda segundo a Lei 14.120/21, as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) têm o desconto de 50% da TUST se obtiverem a outorga no prazo de cinco anos após a publicação deste ano. O desconto cai para 25% entre 6º e 10º ano. O PL das eólicas offshore estende o benefício condido às PHCS para empreendimentos de biomassa, biogás, biometano e resíduos sólidos urbanos com potência instalada até 30 MW. Já quem pedir outorga a partir do 11º não terá o desconto. Outro jabuti pretende estender os contratos de usinas a carvão mineral em operação no Brasil até 2050. Esse tema beneficia principalmente os estados do Sul do país, que têm no carvão uma indústria importante. Essa proposta também foi criticada por parlamentares e agentes do setor elétrico uma vez que ela vai na contramão da transição energética para uma matriz limpa e renovável. Por outro lado, o PL das eólicas offshore reduz de 8 gigawatts (GW) para 4,9 GW a obrigação que o governo tem de contratar térmicas a gás natural em função do processo de privatização da Eletrobrás (Lei 14.182/21). No entanto, estabelece que o gás natural deverá ser contratado em estados específicos, via chamada pública. A ideia é viabilizar a construção de gasodutos em regiões pré-definidas utilizando o setor elétrico como ancora. A lei de privatização da Eletrobras condicionou à descotização das usinas operadas pela empresa ao direcionamento de 50% dos lucros obtidos com a comercialização da energia a preço de mercado. Esses recursos devem ser utilizados para reduzir a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que concentra os principais encargos pagos pelos consumidores de energia. A lei das eólicas offshore, porém, determina que esses recursos sejam utilizados para pagar a Conta Covid e a Conta Escassez Hídrica. Um outro dispositivo foi introduzido com o objetivo de aliviar o consumidor de energia. O texto sugere que os recursos aportados em fundos setoriais sejam utilizados para reduzir impactos tarifários nos casos em que o reajuste tarifário das distribuidoras supere 15%. Essa foi uma forma encontrada pelos parlamentares para evitar que a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) aplique reajustes elevados que venham a onerar os consumidores. Por fim, foram sugeridas a contratação de 250 MW de hidrogênio líquido a partir do etanol na região Nordeste, com contratação até o segundo semestre de 2024 e entrega em 31 de dezembro de 2029, além da contratação de 300 MW de energia eólica na região Sul, com contratação até o segundo semestre de 2025, para entrega em 31 de dezembro de 2030. Todos esses pontos serão analisados pelos senadores antes de ir à sanção presidencial. Por isso, esses dispositivos podem ser alterados ou removidos. Caso eles sejam aprovados como estão, o presidente Lula ainda pode vetar os trechos. Os vetos, por sua vez, seriam novamente objeto de apreciação pelo Congresso.
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