Você já percebeu que sempre que chove pouco o preço da energia aumenta? Nesta edição do resumo regulatório, vamos explicar a relação entre esses dois fatores e os diferentes impactos no Mercado Livre e Regulado.
A matriz elétrica brasileira é composta por um mix de tecnologias, como hidrelétrica, termelétrica (fóssil, nuclear, biomassa e biogás), eólica e solar fotovoltaica. Juntas, elas somam mais de 230 gigawatts de potência (jun/2024).
Apesar dessa diversidade, a tecnologia preponderante no país é a hidrelétrica, representando pouco mais de 50% do total de energia disponível.
Existem pelo menos quatro categorias de hidrelétricas:
- Hidrelétricas com reservatórios de armazenamento de água, como Itaipu.
- Hidrelétricas a fio d’água (sem reservatório), como Belo Monte.
- Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), que podem ter um pequeno reservatório ou nenhum, e geralmente têm no máximo 30 megawatts de potência.
- Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs), com potência até 1 MW, normalmente sem reservatórios.
Os reservatórios das hidrelétricas são fundamentais para o funcionamento do setor elétrico. Eles armazenam grandes quantidades de energia quando chove muito e garantem o suprimento ao longo do ano.
No Brasil, os reservatórios estão divididos em quatro subsistemas: Norte, Nordeste, Sul e Sudeste/Centro-Oeste. O subsistema Sudeste/Centro-Oeste representa cerca de 70% da capacidade de armazenamento de energia do país.
Termos técnicos importantes:
- Energia Natural Afluente (ENA): quantidade de água que chega aos reservatórios com capacidade de gerar energia.
- Média de Longo Termo (MLT): média histórica de afluência baseada em milhares de cenários para um determinado período.
- Energia Armazenada (EAR): quantidade de energia armazenada em um determinado subsistema.
A capacidade de produção de energia ser majoritariamente proveniente das hidrelétricas faz com que a oferta de energia do país dependa da quantidade de chuvas, sobretudo no período úmido (novembro a abril).
Em 2021, o Brasil enfrentou a maior crise hidrológica dos últimos 90 anos. A falta de chuvas obrigou o Operador Nacional do Sistema (ONS) a aumentar a produção de termelétricas fósseis, encarecendo o preço da energia.
Naquele ano, os preços de energia dispararam no Mercado Livre e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) criou a bandeira tarifária Escassez Hídrica, que imputava custos ainda mais elevados para os consumidores do Mercado Cativo.
A bandeira Escassez Hídrica vigorou de setembro de 2021 até abril de 2022, quando a bandeira verde foi reestabelecida devido à melhora no cenário hidrológico. Desde então, o Brasil permaneceu com bandeira verde até junho de 2024.
No Mercado Livre, a falta de chuvas impacta imediatamente os preços de energia de curto e longo prazo, além dos encargos setoriais. No Mercado Cativo, esse custo adicional é percebido através do acionamento das bandeiras tarifárias nas cores Amarela, Vermelha 1 e Vermelha 2.
Cenário hidrológico de 2024
O último período chuvoso (novembro 2023 a abril de 2024) não foi tão bom quanto os anteriores, o que acendeu o sinal de alerta no setor.
Diante desse cenário, após 26 meses de bandeira verde, a ANEEL voltou a acionar a bandeira tarifária amarela. A previsão de chuvas abaixo da média até o final do ano e a expectativa de crescimento da carga e do consumo de energia no mesmo período justificaram a medida. O inverno com temperaturas superiores à média histórica do período também contribui para a operação das termelétricas, que têm energia mais cara que as hidrelétricas.
A volatilidade de preços de energia voltou ao Mercado Livre, principalmente devido à expectativa de um período seco (maio a outubro) mais rigoroso e ao possível atraso das chuvas no próximo período úmido. Além disso, existe a possibilidade de formação do fenômeno La Niña, que costuma alterar os volumes de chuvas.
Segundo a última reunião (03/07) do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), em junho foram verificadas ENAs abaixo da média histórica nos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste (56% da MLT), Nordeste (41% da MLT) e Norte (51% da MLT). O subsistema Sul foi o único a apresentar condições superiores à média histórica, com cerca de 153% da MLT.
Para julho, a previsão é que a afluência no Sistema Interligado Nacional (SIN) fique em 54% da MLT, sendo o menor valor para o mês em um histórico de 94 anos. No melhor cenário, as afluências devem ficar em 64% da MLT no SIN, sendo o terceiro menor valor para um histórico de 94 anos.
“Estamos trabalhando em busca de soluções criativas e possíveis para aumentar a disponibilização dos nossos recursos, como fizemos ao reduzir a vazão das hidrelétricas de Jupiá e Porto Primavera, no Rio Paraná, conservando os reservatórios durante este período seco e evitando o despacho das térmicas. Também estamos avançando nos investimentos em várias obras no país e na modernização do parque elétrico, buscando sempre o equilíbrio entre modicidade tarifária e segurança energética”, afirmou o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Embora o cenário hidrológico deste ano mereça atenção, a quantidade de energia armazenada nas hidrelétricas proporciona certo conforto e, por isso, não há risco de desabastecimento de energia como em 2021.
Conclusão
A relação entre a quantidade de chuvas e o preço da energia no Brasil é evidente e significativa. A matriz elétrica brasileira, predominantemente composta por hidrelétricas, depende fortemente dos níveis de precipitação, especialmente no período úmido.
A crise hidrológica de 2021 demonstrou como a escassez de chuvas pode elevar drasticamente os preços de energia, tanto no Mercado Livre quanto no Mercado Cativo, levando à implementação da bandeira tarifária de Escassez Hídrica pela ANEEL.
Em 2024, o setor enfrenta novamente um cenário preocupante devido à previsão de chuvas abaixo da média e à possível formação do fenômeno La Niña. Essa situação tem levado a ANEEL a acionar a bandeira amarela após um longo período de estabilidade com a bandeira verde.
Apesar dos desafios atuais, o Brasil possui uma quantidade considerável de energia armazenada nas hidrelétricas, o que proporciona um certo nível de segurança e minimiza o risco de desabastecimento.
No entanto, é essencial que o setor continue investindo em soluções criativas e na modernização do parque elétrico para garantir a segurança energética e a modicidade tarifária. Dessa forma, é possível enfrentar períodos de escassez hídrica com maior resiliência e minimizar os impactos nos preços de energia para os consumidores.