As mudanças climáticas estão pressionando diversos setores a se adaptarem rapidamente — e o setor elétrico brasileiro não é exceção. Com uma rede de transmissão que ultrapassa 188 mil quilômetros e é responsável por conectar usinas geradoras a centros consumidores em todo o país, o Brasil enfrenta desafios cada vez maiores para garantir estabilidade e segurança no fornecimento de energia diante de eventos climáticos extremos.
Clima é a principal causa de falhas na transmissão
Um estudo recente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) revelou um dado preocupante: entre 2014 e 2023, o clima foi responsável por 43% das falhas nas linhas de transmissão de energia. Das 116 causas mapeadas no período, quatro estão diretamente ligadas a fenômenos climáticos, evidenciando a vulnerabilidade do Sistema Interligado Nacional (SIN) frente ao avanço das mudanças no clima.
A malha elétrica, com forte concentração no subsistema Sudeste/Centro-Oeste (cerca de 45% da extensão total), cresceu 88% entre 2010 e 2024. Porém, mesmo com essa expansão, a infraestrutura continua exposta a riscos crescentes e cada vez mais imprevisíveis.
Grandes apagões causados por eventos climáticos
Os últimos anos foram marcados por apagões e falhas severas provocadas por condições climáticas extremas. Veja alguns dos principais episódios:
- 2009: Uma tempestade entre Itaberá (SP) e Ivaiporã (PR) causou curto-circuito e deixou 18 estados, o DF e o Paraguai sem energia, afetando 45% do consumo nacional.
- 2013: Uma queimada no Piauí interrompeu duas linhas de 500 kV, apagando nove estados do Nordeste (10.900 MW).
- 2014: Uma descarga elétrica no Tocantins atingiu 11 estados e 6 milhões de consumidores (6.787 MW).
- 2016: Vendavais em SP derrubaram oito torres, provocando falhas na Rede Básica do SIN.
- 2021: Durante a crise hídrica, a necessidade de transferência de energia sobrecarregou o sistema. Queimadas causaram 886 desligamentos — o maior número desde 2014.
- 2023: Uma seca histórica no rio Madeira afetou a operação da usina de Santo Antônio e comprometeu a linha entre o Norte e o Sudeste.
- 2024: Chuvas extremas no Sul alagaram subestações e derrubaram torres. No Pará, tempestades derrubaram cinco torres conectadas à usina de Belo Monte.
Quais os principais riscos climáticos para o sistema de transmissão?
A predominância de linhas aéreas e subestações a céu aberto deixa o sistema ainda mais suscetível a:
- Aumento da temperatura, que reduz a capacidade de transmissão e pode sobrecarregar a rede;
- Secas prolongadas, que elevam o risco de queimadas próximas às torres e subestações;
- Rajadas de vento, capazes de danificar ou derrubar estruturas metálicas;
- Chuvas extremas e alagamentos, comprometendo o funcionamento de subestações;
- Elevação do nível do mar, que acelera a corrosão de estruturas em áreas litorâneas.
Além desses fatores, a própria complexidade da rede nacional — com grande extensão territorial, trechos de difícil acesso, infraestrutura envelhecida e baixa redundância — aumenta a vulnerabilidade do sistema.
O que pode ser feito? Caminhos para uma rede mais resiliente
Para enfrentar esses desafios, o estudo da EPE propõe uma série de medidas que devem orientar os próximos passos do setor elétrico. Entre elas:
- Investir em inovação tecnológica, com redes mais inteligentes e robustas;
- Expandir sistemas de armazenamento de energia, como baterias e outras tecnologias;
- Aprimorar o monitoramento e a previsão de eventos extremos, com uso de dados meteorológicos e inteligência artificial;
- Ajustar os marcos regulatórios, incentivando práticas resilientes por parte dos operadores;
- Reavaliar critérios de confiabilidade e localização de novas linhas;
- Mapear as infraestruturas críticas e atualizar planos de emergência.
Essas propostas fazem parte do estudo “Transmissão e Mudanças Climáticas”, que integra a segunda fase do Roadmap para Fortalecimento da Resiliência do Setor Elétrico — uma iniciativa do Plano de Recuperação dos Reservatórios de Regularização de Usinas Hidrelétricas (PRR), sob a ação de curto prazo CP17.