Foi publicada no Diário Oficial da União, no dia 13 de julho, a Resolução Normativa ANEEL nº 1.065/2023, que trata do mecanismo excepcional para tratamento de outorgas de geração e dos CUST’s (Contratos de Uso do Sistema de Transmissão) celebrados por centrais geradoras. O objetivo é liberar o sistema de transmissão para o escoamento da energia de novos projetos de geração de energia elétrica.
Nesta edição, nosso time regulatório traz os principais pontos definidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica para solucionar o gargalo de projetos de geração de energia que celebraram o CUST, porém não vão conseguir entrar em operação comercial.
A ANEEL calculou que a margem de escoamento ocupada soma 39,9 GW, sendo que 13,1 GW estão em construção e 26,2 GW sem construção iniciada.
O assunto foi objeto de Consulta Pública (CP nº 15/23), realizada entre 11 e 22 de maio, e recebeu 72 contribuições dos agentes do setor elétrico.
Qual o contexto dessa discussão, Simple?
A gente explica. Em 1º de março de 2021, foi promulgada a Lei nº 14.120 que pôs fim ao desconto de 50% nas tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição (TUST/TUSD) para novos projetos de energia renovável, sobretudo para as fontes eólicas, solares, biomassa e cogeração qualificada. O objetivo do governo é reduzir os subsídios concedidos para essas fontes, que hoje oneram as contas dos consumidores em dezenas de bilhões por meio da cobrança de encargos.
A lei estabeleceu que só os projetos que protocolassem o pedido de outorga até 2 de março de 2022 continuariam com o “desconto no fio” até o prazo final da outorga. Esse desconto torna as fontes renováveis mais competitivas e sem ele o custo dos projetos fica mais caro.
Com objetivo de garantir o benefício, os desenvolvedores de projetos iniciariam uma corrida por outorgas. Segundo a ANEEL, no fim de março de 2023 já existia 108 gigawatt (GW) de capacidade instalada outorgada que ainda não estava em operação.
Importante destacar que a lei estabeleceu que o desconto do uso da rede só seria aplicável para as centrais geradoras que entrassem em operação 48 meses após a assinatura das outorgas. Ou seja, grande parte desse potencial teria que entrar em operação em 4 anos.
Considerando que o Brasil adiciona anualmente 8 GW da capacidade instalada, isso significaria comprimir praticamente 13,5 anos de expansão em apenas 4 anos. Há de se prever, portanto, que grande parte do potencial outorgado não entraria em operação.
Até aí tudo bem, o risco é do empreendedor. Entretanto, muitos projetos assinaram o CUST e, portanto, tinham a obrigação de pagar o EUST (Encargo de Uso do Sistema de Transmissão) para garantir o escoamento da energia através do sistema de transmissão.
Até março deste ano havia um total de 5,5 GW que estão com o CUST em execução sem auferir renda proveniente da venda de energia. Isso gerou uma onda de judicialização para evitar o pagamento do CUST até que as obras fossem concluídas.
Ocorre que, nos casos em que há liminar, o ONS (Operador Nacional do Sistema) fica impedido de cobrar os débitos dos geradores, gerando uma frustração de receita para as transmissoras. Essa frustração de receita depois será paga por todos os usuários do sistema de transmissão no ciclo tarifário subsequente, isso inclui geradores e consumidores.
E qual é a proposta?
A ANEEL propôs uma rescisão amigável dos CUST (sem a cobrança de multas por atraso) e, consequentemente, das outorgas, desde que cumprida algumas condições.
A seguir, destacamos os principais pontos do mecanismo excepcional para tratamento de outorgas de geração e CUST.
Haverá duas modalidades de adesão:
(a) Anistia: revogação da outorga de geração e a rescisão dos respectivos CUST celebrados;
(b) Regularização: postergação do prazo de implantação previsto na outorga de geração.
Será elegível à participação no mecanismo excepcional a central geradora que tenha celebrado CUST e que não esteja em operação comercial.
Quais são as condições?
- inexistência de débitos de EUST devidos às transmissoras até o fim do ciclo tarifário;
- renúncia de qualquer discussão judicial relacionada aos CUST celebrados;
- não estar comprometida com o Ambiente de Contratação Regulado (ACR); e
- inexistência de débitos de encargos setoriais.
No caso da Anistia:
- até o dia 28 de julho, os agentes deverão apresentar ao ONS (Operador Nacional do Sistema) o termo de declaração de outorgas avenças e comprovante de denúncia contratual para as transmissões envolvidas na rescisão dos respectivos contratos;
- até o dia 31 de juho o ONS envia a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia) a relação das centrais geradores que aderiram ao mecanismo;
- ONS deverá apurar os encargos relacionados aos CUST’s referente a julho e todos os eventuais encargos remanescentes ainda não processados, incluindo aqueles que se encontram suspensos por decisão judicial e suspender provisoriamente a apuração dos encargos de uso a partir de agosto de 2023;
- até 14 de setembro, o ONS deverá enviar a relação das centrais geradores que cumprirem integralmente as disposições regulatórias;
- a Aneel confirma a adimplência dos encargos setoriais e a inexistência de contratos de comercialização de energia firmados no ACR (Ambiente de Contratação Regulado);
- atenção: caso de não atendimento as condições, o agente terão 15 dias corridos da notificação da ANEEL para sanar as pendências;
- a ANEEL enviará ao ONS a relação das centrais que NÃO atenderam as condições. O ONS deverá retomar a apuração dos encargos.
Para os agentes que ATENDERAM as condições, a ANEEL revogará as outorgas, com a devolução das garantias financeiras (quando aplicável) e determinar que o ONS rescinda os respectivos CUST’s, sem aplicação de encargos rescisórios.
Importante: as centrais geradoras serão isentas de eventuais multas já aplicadas decorrentes do atraso na entrada em operação das usinas.
No caso de regularização:
- até o dia 28 de julho, os agentes deverão apresentar ao ONS o termo de declaração de outorgas avenças e as garantias financeiras, incluindo todos os valores devidos, correspondente a 40 meses de EUST (Encargo de Uso do Sistema de Transmissão). O ONS avalia o termo, em especial a renúncia de eventuais ações judiciais sobre o tema;
- a ONS deverá diferir, em até 12 vezes, a cobrança total dos encargos devidos que se encontram suspensos por decisão judicial até a data da efetiva entrada em operação comercial ou término do prazo de implantação, o que ocorrer primeiro;
- até 14 de setembro, o ONS enviará à ANEEL a relação da centrais geradoras;
- as usinas farão jus ao direito de postergação do prazo de implantação em 36 meses, a contar da publicação da resolução;
- as centrais geradores serão isentas de eventuais multas aplicadas decorrentes do processo de fiscalização;
- as centrais geradoras deverão apresentar as garantias de fiel comprimento em atendimento ao requisito para obtenção de outorga;
- as centrais que tiverem seus prazos de implantação postergados poderão solicitar a postergação do início da execução do CUST’s.
Quais são as regras para agentes com contratos vigentes no ACR?
A ANEEL estima a adesão de pelo menos 11.782 MW ao mecanismo, sendo que 427 MW comercializaram energia no ACR, com início de suprimento em 1º de janeiro de 2025.
Como os agentes com contratos no ACR não podem participar do mecanismo, ANEEL determinou à CCEE a realização de um MCSD (Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits) de Energia Nova A5+ excepcional, com vistas a possibilitar a descontratação dessa energia e possibilitar que mais agentes participem da “anistia”.
Diretrizes para o MCSD EM A5+ excepcional:
(i) Permitir a participação tão somente de geradores que optem por participar do mecanismo de “anistia” e cujos CCEARs (Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado) iniciam no ano de 2025;
(ii) Considerar apenas ofertas com caráter permanente (REN 1.009/2022 inciso II, § 1º, do art. 106);
(iii) Caso o processamento do MCSD resulte em descontratação parcial (ou seja, as sobras declaradas não são suficientes para reduzir integralmente os CCEARs do gerador), que não se efetue a redução do contrato.
(iv) Por fim, em caso de êxito na descontratação dos CCEARs é cobrada do gerador a indenização de que trata o §11 do art. 106, REN 1.009/2022 (um ano de receita do empreendimento), com reversão para modicidade tarifária.
A CCEE irá enviar um comunicado até dia 14 de julho com o cronograma desse MCSD EN. O resultado do processamento será divulgado pela CCEE até 10 de setembro.
Observação: Em março de 2023, foi processado o MCSD de Energia Nova (MCSD EN) para descontratação de CCEAR com início de suprimento em 2024. Na ocasião, as distribuidoras declararam sobras superiores a 3 gigawatts-médios (GWmed), mas nenhum gerador declarou intenção de reduzir seus CCEARs. Dessa forma, de maneira diversa ao que se apresenta para contratos com início de suprimento em 2025, subentende-se que o ano de 2024 não carece de tratamento regulatório adicional.
Qual é o cronograma do processo?
- o agente interessado (independentemente de registro de intenção de participação (CP 15/2023)) deverá encaminhar ao ONS o Termo de Declaração, Outras Avenças (anexo a Resolução Normativa nº 1.065/2023) e Comprovante de notificação de denúncia contratual às concessionárias de transmissão envolvidas para rescisão dos respectivos Contratos de Conexão às Instalações de Transmissão – CCT celebrados, quando existirem, até 28 de julho de 2023;
- esta relação de centrais geradoras deverá ser enviada pelo ONS à CCEE até 31 de julho de 2023, para fins de processamento do MCSD;
- o ONS deverá, então, suspender a cobrança dos respectivos CUST para os encargos que seriam devidos para os meses a partir de agosto de 2023;
- até 14 de setembro de 2023, o ONS deverá avaliar a adimplência dos EUST destes geradores e encaminhar à ANEEL a relação (nomes das centrais geradoras, seus Códigos Únicos de Empreendimentos de Geração – CEG e os CUST envolvidos) daqueles que estão aptos a rescindir seus CUST. Os geradores que não estiverem aptos à rescisão, na avaliação do ONS, já terão suas cobranças retomadas para todos os efeitos;
- uma vez recebida a relação do ONS, a ANEEL procederá à análise dos demais requisitos para revogação amigável das outorgas, observado o processamento do MCSD extraordinário (com encerramento até 10 de setembro de 2023);
- as outorgas que atenderem todos os requisitos serão revogadas por um único ato da ANEEL, que também determinará ao ONS que rescinda os respectivos CUST;
- de maneira análoga, os geradores que não estiverem aptos à rescisão (possuírem alguma inadimplência com os encargos setoriais e/ou contratos no ACR) também deverão ter suas cobranças retomadas pelo ONS nos termos originalmente contratados.
Qual é o rito para o CUST em execução e CUST Futuro
Diretrizes para empreendimentos com CUST em execução e judicializado (Com Liminar):
- o interessado deverá encaminhar ao ONS o Termo de Declaração e Outras Avenças (anexo ao ato, específico para “regularização”) até 28 de julho de 2023;
- o interessado deverá apresentar ao ONS as garantias financeiras nos montantes e formas previstos no regulamento (40 EUST), até 1 de setembro de 2023;
- com relação aos valores de EUST até então suspensos por decisão judicial, o ONS deverá diferi-los até a data limite prevista no regulamento (menor entre a data de entrada de operação comercial e o prazo de 36 meses a contar da data de publicação do ato normativo), instante em que deverão ser atualizados conforme índice previsto no CUST e pagos em parcelas mensais (limitado dentro do ciclo vigente à época);
- com relação aos valores de EUST dos meses futuros, o ONS deverá emitir, a cada mês, os AVC (Aviso de Crédito) e AVD (Aviso de Débito) normalmente, que deverão ser pagos pelos agentes;
- os prazos para implantação de todas as unidades geradoras do empreendimento “regularizado” passam a ser estendidos em 36 meses contados da publicação do ato normativo; e
- o interessado não poderá postergar o CUST, conforme disposto nas Regras de Transmissão.
Regularização: CUST com execução futura
Diretrizes para empreendimentos com CUST com execução futura (Ciclo 2023/2024):
- o interessado deverá encaminhar ao ONS o Termo de Declaração e Outras Avenças (anexo ao ato, específico para “regularização”) até 28 de julho de 2023;
- o interessado deverá apresentar ao ONS as garantias financeiras nos montantes e formas previstos no regulamento, até 1 de setembro de 2023;
- os prazos para implantação de todas as unidades geradoras do empreendimento “regularizado” passam a ser estendidos em 36 meses contados da publicação do ato normativo; e
- o interessado poderá postergar ordinariamente o CUST caso atenda aos critérios dispostos nas Regras de Transmissão.
Como será a alocação da margem de escoamento disponibilizada em função da “anistia”?
Diretrizes alocação da margem de escoamento disponibilizada em função da “anistia”:
- pareceres de acesso emitidos sem viabilidade sistêmica;
- CUST celebrados com a conexão condicionada a obras de transmissão;
- CUST celebrados com viabilidade parcial de injeção de montantes de uso e
- após isso, volta-se a processar a fila de acesso normalmente.
Até 15 de agosto, o ONS deverá dar ampla publicidade da fila de candidatos e realizar chamada para cadastro de interesse dos respectivos geradores no período de 28 de agosto a 1º de setembro de 2023.
Por fim, assim como defendido pela área técnica, os novos CUST a serem celebrados aqui também devem prever o aporte de garantias financeiras, em iguais termos (montante, prazo e forma) aos propostos para a “regularização” de CUST com execução futura (40 EUST).
Pontos positivos e negativos
Pontos Positivos:
- possibilidade de saneamento de CUST e outorgas de empreendimentos que não serão impactados de modo mais eficiente;
- liberação de margem de escoamento para empreendimentos que possuem viabilidade;
- diminuição do risco de inadimplência das concessionárias de transmissão;
- redução da judicialização do tema, que incorre em custos adicionais aos demais usuários do sistema de transmissão;
- diminuição no custo administrativo associado à gestão, fiscalização e revogação de outorgas de empreendimentos que não serão implantados;
Ponto Negativo
:
- insatisfação dos empreendedores que se encontram em conformidade com as obrigações regulatórias.
Para mais informações: Nota Técnica 21/2023.
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